A violência no Brasil, que antes se concentrava em contextos específicos, ganhou novos contornos nos últimos anos.
A partir da ascensão de movimentos de extrema-direita que a campanha e, mais ainda, a eleição de Jair Bolsonaro (2019 - 2022), deram palco e luz, o país entrou em uma fase de polarização aguda, onde a intolerância deixou de ser um fenômeno apenas político para se espalhar por outros setores da vida cotidiana.
No trânsito, nos estádios de futebol, nas residências e até mesmo nas interações cotidianas no trabalho, escolas, praças o ódio tornou-se uma presença crescente, ameaçando o tecido social brasileiro.
A violência no trânsito é um exemplo claro. Casos emblemáticos, como o do motorista de um carro de luxo que matou um motoboy por um choque no espelho do carro, ganham as manchetes e refletem uma crescente impaciência e desrespeito às leis de convivência.
Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) mostram um aumento significativo de mortes no trânsito nos últimos anos, muitas das quais motivadas pela agressividade, pela imprudência e pelo preconceito social.
O perfil de vítimas e agressores revela, em muitos casos, uma divisão de classes e uma falta de empatia por parte dos motoristas de veículos de luxo.
Esse mesmo espírito de confrontação é evidente nos estádios de futebol, onde torcedores de diferentes clubes transformam as arquibancadas e os arredores em arenas de violência.
O ano de 2023, por exemplo, registrou um número alarmante de mortes e agressões nas brigas entre torcidas organizadas.
O Observatório da Violência no Futebol (OVF) revelou que as mortes relacionadas a confrontos entre torcedores aumentaram em cerca de 30% nos últimos anos, levando a uma onda de pedidos por medidas mais rígidas de segurança e punições.
Assim como os regimes autoritários do passado, a ultradireita se vale do discurso de ódio e da desumanização do adversário político, que considera inimigo, para manter sua base de apoio mobilizada.
No caso brasileiro, essa retórica violenta não se restringe à esfera política, mas permeia todas as esferas da sociedade.
E a crescente onda de violência alcança outras parcelas da sociedade, atingindo mulheres, pretos, LGBTQIA+, imigrantes, indígenas – enfim, seres humanos que merecem nosso respeito.
Ao agir com arrogância e desdém por valores como respeito e ética, os radicais não apenas aumentam o número de conflitos diretos, mas também legitimam um comportamento agressivo que desestabiliza as relações sociais.
Como nos ensina a história, os regimes autoritários muitas vezes se valem da violência como meio de controle.
Na atual conjuntura, as autoridades brasileiras precisam refletir sobre o papel que cumprem ao não combaterem a violência com rigor e sobre o tipo de país que desejam construir.
A violência não é um indicador de avanço, mas de retrocesso.
Ao ignorar os direitos humanos e incitar a intolerância, o Brasil corre o risco de se tornar refém de uma escalada de ódio que ameaça tanto a segurança pública quanto a dignidade de seus cidadãos.
A ultradireita não é apenas perigosa; é também ineficaz e contraproducente.
Em vez de oferecer soluções para os problemas reais do País, ela aposta em uma política de divisão que enfraquece a nação.
E, como observou Norberto Bobbio, o uso indiscriminado da violência é uma arma que, no longo prazo, tende a virar-se contra aqueles que a manejam.
Combater a violência exige não apenas políticas públicas eficazes, mas também uma sociedade disposta a dialogar e respeitar as diferenças.
Ricardo Viveiros, jornalista, professor e escritor, é doutor em Educação, Arte e História da Cultura; autor, entre outros livros, de A vila que descobriu o Brasil, Justiça seja feita e Memórias de um tempo obscuro.